Ensaio sobre trechos de poemas de Manoel de Barros analisados em aula (Seleta de poemas de Manoel
de Barros)
     
        A poesia em Manoel de Barros resgatou tudo o que foi rejeitado pela sociedade civilizatória, e deu
voz (canto) às coisas que estavam no limbo da poesia tradicional. Se a poesia canônica desprezava as
coisas “vis” da vida, Manoel de Barros as resgatou e deu idoneidade a elas. No poema “Se Achante” do
livro “Poemas Rupestres”, temos  um exemplo da subversão efetuada na poesia manoelina, como
nestes versos: “Era um caranguejo muito se achante/ Ele se achava idôneo para flor”. O caranguejo do
poema representa, de início, a poesia canônica, na qual só canta as coisas “nobres” como a flor, o Luar e
o sol, ou seja, uma poesia “se achante”, imponente, pedante, que não pisa no chão e só tem olhos para
as coisas do alto(céu). Um dia, esse caranguejo se achante percebeu que não era idôneo pra flor, nem
coche de princesa, pois seu “coche quebrou” e ele voltou para o mangue, seu habitat natural, portanto
ele voltou a ser idôneo para mangue.
     

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        Sendo assim, a poesia voltou a seu primeiro estado, isto é, ao seu estado de chão, lá onde ela é
“promíscua dos bichos, dos vegetais, das pedras.” (Chico Miranda: rua do Ouvidor). Em Manoel de
Barros, a poesia vem do chão, dos ciscos, das lesmas, ou seja, tudo que a poesia tradicional rejeita, serve
para poesia. E como ilustração do fazer poético, “tipo chão”, temos  “Matéria de Poesia” que ilustrará
essa nova maneira de fazer poesia: “Todas as coisas cujos valores podem ser/ Disputados no cuspe à
distância/ Servem para poesia”. Pois para esse novo fazer poético, a importância de um objeto, dá-se
pela perspectiva do “chão”, isto é, a visão que o poeta tem das coisas é disfuncional, desviante. Desse
modo, as pombas em frente a um prédio bizantino do séc.IX é mais importante que o prédio (Sobre
Importâncias), pois, aqui,  a visão do poeta é direcionada para as coisas do chão, e a beleza das coisas é
vista por um novo foco, onde a luz das palavras incidem nos seres marginalizados . Essa é a poesia que
rompeu com os paradigmas da poesia dita canônica, já que aquela poesia (tradicional/canônica) os
elementos que as compunham viviam como que dentro de uma camisa de força, de modo que tentar
qualquer fuga fora do que foge à regra, é transgressão, e não tem valor poético. Ao contrário de Manoel
de Barros, onde tudo que foge à regra e é considerado transgressor, é matéria de poesia.

        Na poesia manoelina o que importa  são os objetos, pessoas e seres que vivem à margem, e que são
“pisados” pela civilização. Estes são aqueles que foram parar no limbo do mundo poético canônico.
Manoel de Barros, e sua maneira “disfuncional” de conceber a poesia, foi lá no limbo, resgatou todas as
coisas como: objetos jogados fora, bichos, trastes velhos, etc., e transformou tudo em matéria de
poesia. Aí, desde então, a poesia renasceu, ganhou um frescor que tinha perdido e entrou em um
estado original, com uma linguagem inaugural, edênica, lá onde a palavra era o “feto do verbo” o
“desverbo”, como ilustra bem estes versos: “Um novo estágio seria que os entes já transformados/
Falassem um dialeto coisal, larval, pedral etc./ Nasceria uma linguagem madruguenta, adânica, edênica,
inaugural-/ Que os poetas aprenderiam- desde que voltassem às crianças que foram” (Retrato quase
apagado em que se pode ver perfeitamente nada). Aí então, já estaríamos no reino da “despalavra”, e
nesse reino quem teria a primazia na construção da linguagem, na criação de novas gramáticas e na
elaboração das normas linguísticas seriam os poetas, pois só eles poderiam “salvar as palavras da
esclerose”. (Gramática expositiva do Chão)

        Desse modo, tudo voltaria ao seu estado de inocência, lá onde originou tudo, sem o
convencionalismo civilizatório, e sem a “malícia” dos homens práticos, que criam função para tudo,
menos para poesia; pois até a linguagem que é uma das coisas mais magníficas que o homem adquiriu,
virou uma coisa amorfa, clichê, sem vida, e sem poesia. E a lição que a poesia manoelina nos dá é essa: “
Para voltar à infância, os poetas precisariam também de reaprender a errar a língua” (Retrato quase
apagado em que se pode ver perfeitamente nada). Errar a língua para Manoel de Barros é restituir a
virgindade as palavras e “usar algumas palavras  que ainda não tenha idioma”. Só assim o mundo
entraria em estado de poesia, onde o reino fosse das imagens e da despalavra, já que  todos viveriam
em uma “ demência peregrina”. Portanto, esse é o ideal poético de Manoel de Barros, visto que todas as
pessoas seriam poetas que errariam a língua e que olhariam para o mundo por imagens, já que, “poesia
é a ocupação da palavra pela imagem” (Ascensão).



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Observações sobre o curso de IEL1:

Algumas considerações sobre “achados” memoráveis

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