Travessia
Itaobim
peregrina a pé por uma estrada de Minas, mas ele não sabe determinar
geograficamente onde está agora. Está cismando que é depois de BH e antes de
Itaobim. Olha para o entardecer e imagina que deve ser hora de repousar.
Afinal, sente se cansado, pois tem andado tanto que parece que faz anos que não
descansa. Continua caminhando e nem percebe que o entardecer se transformou em
noite. Anda pelo acostamento e, por experiência de andarilho, guia-se pelos
faróis dos veículos da estrada, pois além de andar pelo acostamento, escolhe
sempre a beirada rente às relvas do caminho. Para, senta-se em uma pedra, inspeciona, à sua maneira, se esse é um lugar
adequado para passar a noite. Costuma escolher lugares ermos, longe da
civilização, quanto mais longe maior seu sentimento de não pertencimento à
civilização. Encontra um descampado, acha o lugar aconchegante para repousar,
sente se tão bem neste ermo que pega no sono logo, um sono profundo, que parece
o sono dos justos esperando o despertar da sétima trombeta.
No auge da madrugada, àquela hora em que o
canto dos galos é mais intenso, acorda. Prepara o café da manhã e ruma pra
estrada novamente. Itaobim só tem um pensamento: sabe que é preciso andar,
sempre pelas estradas tortuosas do estado de Minas, em meio à suas montanhas de
pedras. Ama estas montanhas, afinal vê nelas algo de místico e ao mesmo tempo
poético. Agora ele está em frente a um monte escarpado de pedra. Este é um
rochedo liso, onde não nasce relva nenhuma. Olha imaginando, pois aprendeu com
os poetas que é por esta perspectiva que se olha as paisagens do mundo. E nesse
devaneio consegue escalar a montanha e olhar o vale do aço, do cume do monte.
Neste lapso de tempo, percebe que está próximo da estrada de ferro da Vale,
ferrovia que liga BH à Vitória no Espirito Santo. Ruma para lá, chega até a
estrada, começa caminhar pela ferrovia. Depois de umas horas de caminhada, está
diante de uma ponte sobre uma mina de ferro. Ele calcula que está a 1 km de
altura, pois vê os caminhões da mineração como se fossem miniaturas. Naquelas
alturas, ele contempla as cadeias de montanhas, cuja beleza o distrai da
realidade. Mas essa é uma ponte longa e estreita, sobre um precipício, com
muito trânsito de trens, onde não é possível transitar, ao mesmo tempo, um andarilho
e um trem. Itaobim, diante desse abismo incomensurável, olha e começa pensar
por imagens. Entra em um profundo devaneio poético, no qual realidade e sonho
se confundem; mas é despertado pela buzina e o farol de um trem. Nesse momento
é preciso fazer uma escolha entre o trem e o abismo. Ele escolhe o abismo.
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